Magrinha. Pequena. E um poço de doçura daqueles de vó gordona, sabe? Léia era assim. Evangélica, não se negava a discutir certos dogmas. Até sobre as posturas do Papa chegamos a falar (bem informada, nunca se furtou a conversar sobre o que quer que fosse). Gostava muito de ouvir, também. Mas sua voz fininha dizia sempre (e sem parar) coisas muito essenciais e simples (as primeiras que esquecemos, costumeiramente).
Quase todo sábado ela dava plantão aqui em casa. Organizava a minha vida, a do Marcelo e a da cachorrada com maestria. Fugia da Freak, a salsicha esquentada, que cismava sempre em dar o bote em suas canelinhas finas. Era o dia inteiro ouvindo: Freak, é a Léia, Freak! Morde a Léia, não! Me divertia, a doce Léia. Uma figura.
Dadas as mudanças todas na vida e ao caos instaurado, deixei de ligar pra Léia vir botar ordem nessa minha pequena confusão por um bom tempo.
Sexta passada (com as coisas todas quase nos seus devidos lugares) toquei o celular de Léia dia todo. Ouvi sua mensagem na caixa postal. Deixei recado. Ela, que sabia usar os recursos do celular bem melhor do que eu, era sempre rápida na reposta, via ligação ou SMS. Dessa vez, nem sinal.
Hoje me encontrei nos corredores com a colega que havia me indicado Léia pro trabalho. Regina me perguntou, assustada: "Você não soube, não?" Gelei. "Léia se matou." Assim, à queima roupa, sem nem o eufemismo do "suicidou-se".
Fiquei chocada. Regina explicou que ela travava uma batalha imensa contra a depressão, que não aceitava a ajuda nem dos irmãos de Igreja. Que todos tentaram, mas nada pôde ser feito. Meu Deus.
Enfim. Perdi o ar, dia todo. Ainda o perco aqui.
Guardo a toalhinha de mão que ela bordou caprichosamente com meu nome. Mamãe, que quando viu a minha gostou, também foi agraciada com o talento da querida com linhas e agulhas. Ela gostava de agradar. Só queria sentir-se bem-vinda. Coisa que a vida difícil sempre lhe negou. Léia não tinha família, sofreu eras sob o comando dos rígidos pais adotivos. Morava só. Ela, sua bicicleta, suas saias longas e seu coque preso à nuca. Era solteira, mas sonhava em viver um grande amor. Queria muito ter um cachorro, mas a dona da casa em que vivia lhe negou esse privilégio.
Me pus a pensar se poderia ter feito algo de diferente. Tento, ainda agora, refletir sobre o imponderável. Sobre o que não nos cabe (ou adianta) qualquer intervenção. Será?
Agradeço a Léia por ter dedicado a mim e a essa casa tanto da alegria que lhe faltava. Eu sinto tê-la perdido do meu convívio. Vão ficar na minha lembrança a sua honestidade em pedir pra levar pra casa as acerolas do pé que jorrava frutas sobre o quintal, sua meiguice, seu capricho com o trabalho, sua inteligência, brinde da vida.
Que coisa, meu Deus.
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Um comentário:
Triste, Pati...
Que essa moça possa descansar...
Beijos.
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